
Procure ler e escutar assuntos de seu interesse. É uma espécie de regra bradada aos estudantes de idiomas por linguistas em TED Talks, artigos do tipo “10 dicas pra aprender inglês em um mês”, falas de professores ou canais de poliglotas no YouTube. De fato, ficar só na decoreba das conjugações, nos exercícios de interpretação e áudios aleatórios é um saco.
Por esse motivo, em viagem à França, comprei um exemplar de Frantumaglia, livro de não-ficção da escritora Elena Ferrante. Apesar de a autora ser italiana, a versão francesa me ajudaria a treinar o idioma estudado há mais de seis anos. Além disso, trata-se de um livro pelo qual tenho um particular interesse por falar dos processos criativos da misteriosa autora cuja identidade real é desconhecida e especulada à mesma extensão do sucesso de suas obras.
Frantumaglia, L’écriture et ma vie vem sendo, desde então, meu companheiro de refeições, uma forma de evitar redes sociais enquanto me alimento. Eis que me vejo lendo suas primeiras páginas e dois fenômenos acontecem.
Um deles é a sensação de me sentir deslizar na superfície de um idioma sem de fato mergulhar nele. Em uma espécie de skimboard, eu pego velocidade, me divirto, sei o que é estar na praia, sinto o mormaço e os pingos d’água, cheiro o sal do mar, aprecio a temperatura da água, mas não chego a me molhar por completo. Pulo palavras desconhecidas, deduzo o sentido das frases, perco as sutilezas da escrita potente da autora, o que me aflige como leitora. Sou como uma novata perto dos que furam ondas, nadam até onde não dá mais pé e exploram corais de recife com snorkels. Inevitável pensar na necessidade de mais horas/ aula com os surfistas ou, no mínimo, passar mais tempo em atividades praianas.
O segundo fenômeno é perceber uma nova versão da minha escritora favorita. Ferrante deixa de ser a autora verdadeira e já não é mais o pseudônimo criado por ela mesma, se tornando agora uma escritora de alma francesa. É como se ao ler o texto traduzido para um terceiro idioma (além do italiano original e o meu português original), Ferrante adquirisse uma terceira identidade, uma amálgama das mulheres francesas que observei, conheci e admirei ao longo da minha vida.
Ao notar essa transformação, reconheci a força que as traduções têm de acolher e viabilizar a leitura de um texto literário, tendo como principal indicador de sucesso a percepção de sua ausência. A tradução é trabalho de bastidores cujo protagonismo me leva a crer (e sonhar!), por um instante, que não só Ferrante, mas também Virginia Woolf, Agatha Christie, Gabriel García Marquez, Franz Kafka pudessem ter escrito originalmente em português dada a fluidez que essas leituras se deram na minha vida desde sempre.
A cada refeição, a leitura de Frantumaglia prossegue de forma lenta, saboreada como um banquete de Elena Ferrante à francesa. Ao fim dele, espero começar a ler outro livro da autora, dessa vez à moda portuguesa europeia. Sem dúvidas, será mais uma experiência literária apetitosa para os meus sentidos.
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