Não tive filhos, nunca vivi uma guerra, jamais considerei pegar um navio para uma terra de ninguém. Apesar das tantas diferenças que nos separavam, havia um fato em comum entre nós. Quando eu me atentei à foto da saída da Família Toso do porto de Gênova em 1927, rumo ao Brasil, eu tinha a mesma idade de Fortunata.
Fortunata Adelaide Maria Piva tinha 34 anos no momento da foto. Ela prendera seu cabelo em um coque baixo e deixara uma franja levemente caída do lado direito de seu rosto. Há um meio-sorriso em sua expressão, como que a sustentar o olhar austero. Fortunata é o centro da foto, a protagonista, a mulher, a alta, a sem chapéu, a com trajes escuros. É precisamente ali, a partir dela, que marido e filhos orbitam. Como vim a saber depois, ela inclusive não carregava o sobrenome do esposo, mas sim uma sequência de nomes próprios que reforçavam sua identidade e potência feminina. Ela bastava-se em si.
A força dessa mulher que atravessou um oceano com cinco filhos me comove e eu reconheço essa coragem no filho-avô que eu não conheci, na neta-mãe que me criou. Se hoje eu estou realizando o sonho de escrever, refazendo um percurso imigrante de volta às origens é graças a essa mulher-menina-senhora. Quem vem antes abre espaço a quem vem depois. E eu sou grata à bisavó Fortunata por isso.
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