Quando eu era criança, minha mãe me ensinou bastar jogar sal nas lesmas para elas desaparecerem. Era uma espécie de mágica. Não eram necessários esforços com chinelos tal como com as baratas ou malabarismos com os panos de cozinha para acabar com as moscas. As lesmas derretiam sem inconveniências. Não sei por que elas eram mortas, talvez por medo de uma infestação, mas lembro de, pelo menos uma vez, assistir a esse espetáculo medonho com um olhar de curiosidade.
Desde a infância em Campinas até hoje, nunca mais havia pensado em lesmas. Não é um bicho que vemos na TV, em filmes, conversas, músicas, nem em poemas. Desconheço a função das lesmas dentro do ecossistema. Não há uma lesma como animal falante de um filme da Disney, nem bichinhos de pelúcia com esse tema. Na hierarquia dos bichos nojentos, por não virarem borboletas ou pratos requintados franceses, as considero como pertencentes a castas inferiores. Mas lembrei de sua existência após vê-las às dezenas no jardim do meu prédio, aqui em Londres.
Grandes, gordas, escuras, amarronzadas, com antenas, sem antenas, um mundo de moluscos gastrópodes que atravessam meu caminho pro supermercado ou metrô. As lesmas saem dos recônditos da grama e das plantas baixas em direção à trilha de cimento claro e se destacam com seus corpos moles e lentos. Elas preferem os passeios noturnos, sobretudo depois da chuva. Parece uma festa.
Muitas não sobrevivem depois de serem esmagadas por algum desavisado ou desavisada, o que me causa nojo só com a perspectiva de fazer igual no futuro. Evitá-las passou a ser a minha nova obsessão. Caminho com a lanterna ligada para enxergar melhor os perigos do trajeto, dou micro-saltos, confundo sombras e manchas no chão com os moluscos, empurro quem está comigo para desviarem dos animais, tudo para evitar pisar nas lesmas e nos vestígios de seus corpos.
Penso que muito dessa obsessão venha pelo asco. Ao mesmo tempo, reconheço nas lesmas um quê de bravura e teimosia. Mesmo sem as carapaças dos seus bróders caramujos ou as pernas das centopeias, elas insistem em enfrentar a aridez dos caminhos vazios em direção a jardins mais prósperos. Não há fragilidade, lentidão ou medo da morte que as afastem desse objetivo.
Será que eu mesma não sou um pouco de lesma?
Afasto rápido a ideia da mente. As lesmas são só burras e, talvez, eu deva carregar um saleiro comigo como proteção.
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