Fazer cursos, bolar um planejamento de carreira e estabelecer novas conexões é regra primordial para qualquer profissional. Pra quem está começando uma nova carreira, em um novo país, numa atividade artística como a escrita, como é o meu caso, essas tarefas têm sido quase mandatórias. Pode ser que uma fala, uma dica, uma ideia, sejam uma espécie de janela entreaberta em um labirinto de paredes altas, corredores escuros e caminhos aparentemente sem saída. Porém, às vezes, essas janelas podem ser pegadinhas e guardar situações, no mínimo, incomuns.
Talvez pelo meu perfil do Instagram ser de alguém que segue escritoras e escritores, além de influencers ligados ao mundo literário, o que não falta pra mim são anúncios para cursos peculiares, que me geram pensamentos frutíferos e ácidos. Aparecem no meu feed posts como “Torne-se um escritor empreendedor” (nada como ser multitarefa), “Aprenda a escrita mítica das escritoras multipotenciais” (uau, tá bonito isso), “Percorra o caminho do artista milionário” (espero que o curso seja ministrado pelo Paulo Coelho), “Publique seu próprio livro e seja um best-seller Amazon” (Bezos sentiria orgulho de mim), “Procura-se Escritora pronta para conhecer o seu público leitor” (esse é o melhor, nada como dar um tom de vaga de emprego para a venda de curso on-line). Se eu for fazer todos esses cursos, será que vou ser uma escritora mais preparada? Ou só mais pobre mesmo?
Outro dia, resolvi conhecer o dono de uma escola de escrita via Zoom. Felizmente, ele não se atrasou, mas estava com cara de quem acordou havia dez minutos. Até aí, nada demais. Mas, no meio de sua apresentação, uma fumaça começa a surgir no canto inferior da tela. Seria um superaquecimento do laptop do meu interlocutor?
Não. Era simplesmente o cigarro de palha que ele acendeu enquanto falava comigo. Ao tragar o cigarro, durante três, cinco ou dez segundos, não sei ao certo, eu era obrigada a ficar olhando a tela com a sua imagem, tentando domar a ansiedade causada por aquele silêncio constrangedor. Ao final da reunião, ele resolveu acender (ou seria ligar?) um cigarro eletrônico verde-limão. Despedi-me com um simpático “pode deixar que eu entro em contato, obrigada”. Nada contra fumantes de cigarro, cachimbo, maconha, charuto, só acho que durante as reuniões profissionais não é educado fumar, mesmo que exista mais de 8000 quilômetros de distância entre os participantes.
Outra situação, no mínimo bizarra, foi a de ficar quase um ano sem saber quantos livros vendi da minha primeira publicação. Se eu sou mesmo uma empreendedora como dizem os gurus da internet, como planejar qualquer venda sem saber o quanto já tive de resultado? Será que me ensinariam isso na live “Vença na Escrita”? No final das contas, recebi uma aba de Excel com uma impessoal informação de x de livros vendidos. Os parcos reais conquistados em direitos autoriais serviram para abater parte da compra de um novo lote de livros. Não deu nem pra comprar um cigarro de palha pra eu fumar junto com meu amigo da escola de escrita.
Depois de algumas semanas sem escrever, um tanto quanto desanimada de não ver luzes nesse labirinto, viajei a Bath, no sudoeste da Inglaterra. Nesta cidade, há mais de duzentos anos, viveu Jane Austen, escritora notável que escreveu seis romances que ainda ecoam no imaginário de milhões de leitores. Ali, em seu museu, vi uma frase do seu livro mais famoso, Orgulho e Preconceito: “Obstinate, headstrong girl!” (Algo como “obstinada, teimosa garota!”). Trata-se de uma fala depreciativa em direção à personagem principal do livro. Mas, colocando-a em outro contexto, representa toda a força de espírito e ousadia que Austen precisou ter para ser uma escritora naquela época.
Obrigada Jane, era a dose de incentivo que precisava para seguir em frente escrevendo mais e aprendendo a lidar com posts patrocinados e a sandice da galera.
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