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meu primeiro lar em londres




Às pessoas que conheciam Londres e me perguntavam a localização do meu novo lar, notava uma leve surpresa em seus olhos, seguida de uma interjeição do tipo “uau” quando lhes dizia o nome Fitzrovia. Morar em uma região central, ao lado do Regent’s Park, não era nada corriqueiro. O contrato era curto, de três meses, mas a temporada prometia ser o trampolim perfeito para mergulhar em Londres na sua parte mais morninha, sem ondas, permitindo a aclimatação perfeita à cidade.

Mas o xis da questão era o apartamento. Se a localização enchia o peito de orgulho, o flat 3 murchava-o na mesma proporção. Era um espaço no terceiro andar de um prédio velho. Tudo é meio antigo em Londres, sobretudo nessa parte mais central, mas uma pesquisa no Google relatava que o “nosso” edifício havia sido construído em 1793. Os tijolos externos tinham aquela coloração escura das poluições das fábricas da revolução industrial, dos trens a vapor, dos ônibus de dois andares e táxis pretos dirigidos pelo lado direito. Por dentro, não era nada muito melhor.

Escadas em madeira estreitas e barulhentas nos levavam ao nosso apartamento, passando antes pela véia estranha. A véia estranha era a vizinha do primeiro andar que estava sempre de camisola e nunca me cumprimentava. Ela deixava a porta da sua casa constantemente aberta, inundando o prédio com um cheiro horripilante de comida e largava suas pantufas, malas, escada, lixo, tudo do lado de fora, no espaço de passagem. Era como se ao sair e entrar do prédio, eu tivesse que entrar em sua casa, sem querer ser convidada para isso.

Ao chegar ao apartamento, um studio de 22m2, me sentia em um parque de diversões do interior, naqueles brinquedos que simulam paredes tortas e espelhos distorcidos. No apê, a porta de entrada era inclinada, o teto era inclinado e o chão da sala-quarto era inclinado. Bastava deixar a mala de rodinhas menos amparada e ela saia deslizando até a cozinha, a três passos de distância, ganhando uma aparente vida, sedenta por novos ares.

O flat 3 também era um recinto heterotermo: uma geladeira nos dias amenos e um forno nos dias de temperatura tropical. O fato de estarmos no último andar, sem um forro entre telhado e teto para conter a temperatura externa, propiciava essa característica. Inclusive, pela primeira vez na vida, eu podia tocar o teto da minha casa. Bastava esticar os braços e pronto, dava para fazer um batuque naquele drywall.

O chuveiro elétrico era um capítulo à parte. Em um box que não fechava bem, numa cápsula de plástico bege, com uma vazão de água semelhante ao fluxo de um xixi, o momento do banho era o que mais me atormentava. Lavar o cabelo se tornava quase um suplício. Ora queimando o couro cabeludo, ora gelando a alma, o tempo de ajuste da temperatura da água foi acrescentado como mais uma tarefa do dia.

No dia que carreguei a última mala dali, ao sair daquele studio rumo a um apartamento definitivo, respirei aliviada, mas confiante de que aquelas paredes encardidas e janelas de vidro quebrado me forneceriam material para futuras histórias e cancha para novos desafios. E não me arrependi de não ter me despedido da véia estranha.


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