Uma das minhas maiores ansiedades ao começar um novo mestrado, dessa vez na Universidade de Coimbra, era a de ser a tiazona da turma. Eu até pensava comigo mesma “os quase 40 eram os quase 20 anos de outrora”, “hoje o mundo tá virando um espaço ageless”, blábláblá, mas a nóia era mais forte do que eu. Recomeçar em uma nova carreira aos 38 anos e voltar a ser acadêmica em outro país já era bastante informação. Lidar ainda com a questão geracional junto a colegas geração Z seria, no mínimo, mais um fator de adaptação no meu discurso e atitude.
No primeiro dia de aula, qual não foi a minha surpresa ao ver além dos colegas na faixa dos 20+, havia também mulheres de 50+. E, na cauda direita da curva normal da distribuição etária da turma, estava Isabel. Portuguesa, professora, vaidosa, amante dos livros, moradora de Figueira da Foz. Parei por aí nas reflexões sobre ela e dei um suspiro de alívio ao perceber que as minhas preocupações foram infundadas. Havia espaço para todo mundo, independentemente da idade.
No segundo dia de aula, após eu ter me levantado para sair antes do término do exercício em grupo, Isabel se indignou.
“Não podes sair, o professor disse-nos para fazer a atividade durante o horário da aula! Aqui em Portugal é assim que funciona.”
“Eu já terminei o exercício e não sei se a senhora se lemb...”
“Não me chame senhora, o meu nome é Isabel!”
Quando a gente chega a um país novo onde os formalismos ainda estão presentes no dia a dia, nada mais natural do que chamar alguém mais velho de senhor ou de senhora. Sobretudo a quem já havia passado além do Bojador dos setenta anos. Porém, irritada com a minha infração leve na escala Richter acadêmica, Isabel aproveitou para dar a letra de como ela queria que nós a víssemos (e como ela via a si própria): uma mulher que, tal como qualquer um ali, estava matriculada nas mesmas disciplinas, ouvindo os mesmos professores, lendo os mesmos textos, sem distinções.
Um dia, precisei sair do Airbnb em Coimbra e resolvi procurar por apartamentos em outras cidades, por conta do custo. Perguntei sobre Figueira da Foz a Isabel. Como se um portal mágico se abrisse, sobretudo dela em direção a mim, Isabel se mostrou prestativa, foi atrás de apartamentos, procurou conhecidos que pudessem ajudar com novas propostas, quis saber dos endereços para saber a localização.
Uma vez mudando para a cidade, logo me chamou para almoçar, conheci seu marido, seu cachorro, sua casa, seu irmão, o vizinho; recebo seus vídeos de pássaros e fotinhos com poemas de Fernando Pessoa, liga às dez da noite para perguntar sobre as nossas leituras acadêmicas, ganhei um de seus livros de poemas, me levou para passear pelas praias da Figueira, tomamos café da manhã em um domingo de sol e falamos sobre nossos interesses literários. Ganhei uma amiga.
Ao me conhecer melhor, imagino que Isabel percebeu que as diferenças culturais entre portugueses e brasileiros não é ameaça ou afronta, mas fonte de aprendizados mútuos. Eu, ao conviver mais com ela, comecei a refletir o quão incrível é se interessar por algo novo em uma fase da vida em que, genericamente, as pessoas pensam em parar, relaxar e se entediar. Ter estímulos, sonhos, curiosidades e humildade para recomeçar é ageless e isso eu aprendi com Isabel. Além de saber o significado de arroz malandro, salicórnia, borracho, lampreia, alfacinha, freguesia, batido.
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Crônica incrível